Uma pesquisa inédita feita por cientistas da Ufes e de mais três Universidades do país indica que a Mata Atlântica deve ter se expandido na última era do gelo, há cerca de 21 mil anos, contrariando a hipótese dos refúgios, considerada por décadas como a melhor teoria para explicar a origem desse ambiente tão diverso. O estudo foi publicado no dia 11 de janeiro em uma das mais renomadas revistas científicas do mundo, a Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, conhecida como PNAS, que é a publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
Coordenada pelo professor do Departamento de Ciências Biológicas, Yuri Leite, a nova ideia foi batizada de Hipótese da Mata Atlântida, em alusão ao lendário continente de Atlântida que teria sido engolido pelo oceano. Essa referência se deve a uma das mais importantes descobertas da pesquisa, que considera o importante papel da plataforma continental na expansão da Mata Atlântica, fato nunca antes considerado pela literatura científica. A plataforma continental é uma faixa marítima com cerca de 270 quilômetros quadrados, ao longo de todo o litoral do Brasil, que hoje está submersa, mas que esteve exposta durante o período glacial, em função da redução do nível do mar, e permitiu a aumento das populações de flora e fauna, incluindo os mamíferos estudados na pesquisa.
Segundo Leite, a equipe de 11 pesquisadores combinou duas abordagens baseadas em modelos matemáticos: uma que infere a distribuição geográfica das espécies no passado com base nas variáveis climáticas mais importantes para sua existência atual; e outra que usa o DNA das espécies para estimar as suas populações no passado. Foram analisadas cinco espécies de mamíferos tipicamente florestais que apresentaram sinais genéticos de expansão populacional na última era do gelo.
“Seguramente esse é o trabalho de pesquisa mais importante que já realizei. Ele só foi possível porque conseguimos reunir pesquisadores de diversas áreas e, principalmente, o pessoal da oceanografia, que contribuiu com os estudos sobre a plataforma continental”, enfatizou ele.
Aquecimento global
“Entender o processo de formação dessa biodiversidade, já que a Mata Atlântica está entre os locais mais diversos e singulares do planeta, pode contribuir para os estudos sobre o aquecimento global, por exemplo. Uma parte da nossa pesquisa será desdobrada para essa área”, destacou Leite.
Outro destaque da pesquisa mostra um estrangulamento da parte que ficou exposta da plataforma continental na região da foz do Rio Doce. “Isso pode ajudar a explicar porque o Brasil é dividido em dois, exatamente nessa região do Espírito Santo. Os estudos biológicos mostram que são encontradas as mesmas espécies de fauna e flora do nosso estado para o sul e outras diferentes quando caminhamos daqui para o norte”.
Além de oito pesquisadores da Ufes, dos departamentos de Ciências Biológicas, Oceanografia (ambos do Centro de Ciências Humanas e Naturais) e Ciências da Saúde (Centro Universitário Norte do Espírito Santo), o estudo contou com a participação de professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Universidade de São Paulo (USP). O trabalho começou em 2012 e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O artigo na íntegra pode ser conferido no site www.pnas.org ou no link abaixo.
Texto: Hélio Marchioni
Foto: Praia de Setiba - Leonardo Merçon
Edição: Thereza Marinho